Religiosos de diferentes partes do país vêm a MS denunciar crimes contra indígenas

Solenidades acontecem em Campo Grande e Dourados, depois que dois indígenas foram assassinados

Márcio Moreira foi outra morte indígena na última semana - Foto: Divulgação

Entre esta quarta-feira (20), quinta-feira (21) e sexta-feira (22), ocorre em Campo Grande e Dourados a chamada Caravana Ecumênica, uma organização integrada por lideranças religiosas de diversas partes do país criada para denunciar a violência que atinge os povos indígenas guarani e kaiowá, em Mato Grosso do Sul.

Entre junho e este mês, dois indígenas foram mortos assassinados na região de Amambai, cidade situada na região de fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai.

Num dos crimes, a vítima, de 42 anos de idade, foi morto baleado enquanto ocupava uma fazenda, Amambai, área que os guarani kaiowá disputam pela posse na esfera judicial.

Em nota distribuída à imprensa, os organizadores da Caravana afirmaram que o primeiro evento ocorre amanhã (20), às 14h39 minutos, na sede da Fetems, Federação dos Trabalhadores na Educaçáo de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. Dali, os líderes do evento seguem para a cidade de Dourados, onde vive a maior comunidade indígena de MS.

Ato ecumênico em Dourados acontece na sexta-feira (22), às 10h, na praça Antônio João, em frente à catedral.

Nas cerimônias que compõem o Feact (Fórum Ecumênico ACT Brasil), serão distribuídos alimentos para as famílias das áreas de conflitos na região sul, como Dourados e Amambai que, segundo os organizadores vivem em situação de insegurança alimentar.

O Feact, diz a nota, é uma rede de igrejas, organizações ecumênicas e agências de cooperação que se reúnem em torno de questões comuns relacionadas à incidência, ao desenvolvimento e à ajuda humanitária no Brasil.

Igrejas que integram o Feact, segue o comunicado: Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU). Outras organizações membro do Fórum são: ASTE, CEBI, CECA, CEDITER, CESE, CESEEP, CONIC, FLD, PAD, PROFEC, REJU, UNIPOP, Visão Mundial (Brasil).

A violência

Ainda de acordo com o comunicado produzido pelos organizadores da Caravana, o histórico de violênciado em MS  contra os Guarani e Kaiowá vem se agravando.

Para chamar a atenção nacional e internacional para as recentes e graves violações dos direitos desses povos, o grupo inter-religioso decidiu se deslocar até a região para denunciar os assassinatos de indígenas que acontecem desde 20 de maio de maio, passa pela tragédia que ficou conhecida como Massacre de Guapo’y,em junho, e ainda ceifou a vida de mais um líder indígena em Guapo’y, em julho.

Alex Lopes, um jovem de 18 anos, foi assassinado e teve seu corpo despejado do outro lado da fronteira com o Paraguai, a cerca de 10km da reserva Taquaperi, em Coronel Sapucaia, após sair para buscar lenha no entorno da Terra Indígena, acompanhado de outros dois jovens.

A TI Taquaperi é uma das oito reservas indígenas criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na região sul do Mato Grosso do Sul, ainda no início do século XX, com a finalidade de confinar os indígenas que ocupavam toda a região e liberar seus territórios para a colonização.

Apesar do projeto original ter criado reservas com 3.600 hectares, a TI Taquaperi possui, hoje, apenas 1.777 hectares, segundo a base cartográfica da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Por conta da histórica apropriação de partes da área reservada por fazendeiros, os Guarani eKaiowá da reserva frequentam áreas de mata das propriedades vizinhas, reivindicadas pelos indígenas como parte de seu território tradicional. Em protesto contra o assassinato de Alex, o povo Guarani e Kaiowá retomou uma fazenda no município de Coronel Sapucaia.

Cenas de muita violência também aconteceram em Amambai, após outro grupo de indígenas retomar novamente parte do território de Guapo’y. A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas.

Para os Guarani e Kaiowá, Guapo’yé parte de um território tradicional que lhes foi roubado quando houve a subtração de parte da reserva.

A luta dos Guarani e Kaiowá pela retomada do território de ocupação tradicional, no Mato Grosso do Sul, tem sido motivada pela morosidade do Estado brasileiro em realizar sua demarcação. Há décadas os indígenas reivindicam a demarcação do território tradicional.

Enquanto isso, vivem acampados, em péssimas condições de vida, e vêm passando por longos períodos de fome.

Um dia após a retomada, policiais militares e fazendeiros invadiram a área sem um mandado judicial e com extrema violência, no intuito de expulsar os Guarani e Kaiowá da região. A ação desastrosa e truculenta resultou na morte de Vitor Fernandes – assassinado a sangue frio e em plena luz do dia por agentes da polícia.

Além de Vitor, dezenas de pessoas ficaram feridas devido aos disparos de arma de fogo e de bala de borracha – lançados pelos invasores contra os indígenas.

Os relatos e imagens do ataque indicam que a PM fez uso de veículos, de armamento letal e não letal e, inclusive, de um helicóptero, utilizado como plataforma de tiro contra as famílias indígenas da retomada, incluindo crianças e idosos. Esse episódio está sendo chamado de Massacre de Guapo’y

Além destes ocorridos, mais um indígena Kaiowá foi assassinado na última quinta-feira (14). Márcio Moreira e outras duas lideranças da retomada do território de Guapo’y foram vítimas de uma possível emboscada, de acordo com denúncias da própria comunidade Guapo’y e do Conselho da AtyGuasu – a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá.

Márcio foi assassinado, mas os outros dois conseguiram escapar com vida.

Esse episódio acontece mesmo após a Justiça Federal de Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai, indeferir um pedido para despejar os Guarani e Kaiowá da retomada de Guapo’y. A solicitação (medida de urgência) foi feita pelo proprietário da fazenda que ocupa, atualmente, a região – ou parte do território indígena, considerado sagrado pelos indígenas.