Recuo de Bolsonaro das ameaças ao STF causa curto-circuito na base bolsonarista: “Game over”

Militantes acampados na Esplanada pregam descumprimento do pedido do presidente para desbloquear as estradas fechadas por caminhoneiros. Um dos líderes da categoria, Zé Trovão, diz que está foragido no México e que será preso, apesar de apoio de representantes da ultradireita mexicana

Militante de Jair Bolsonaro diante e acampamento pró-Governo na Esplanada dos Ministérios no dia 9 de setembro. Foto: Cadu Gomes

Dias após ameaçar descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal e incitar seus apoiadores contra os ministros da corte ―em pleno Sete de Setembro―, o presidente Jair Bolsonaro baixou o tom de seu discurso. Em nota divulgada no final da tarde desta quinta-feira, ele minimizou suas falas de cunho golpista e afirmou defender o diálogo com o Judiciário e o respeito à Constituição. O recuo do discurso do presidente causou um curto-circuito entre a sua base de adoradores. A militância oscilou entre o apoio incondicional ao presidente e o desembarque do Governo, algo que costuma ocorrer com políticos que demonstram fraqueza e estão balançando no poder.

No documento que provocou a celeuma da militância até então fiel ao presidente, Bolsonaro também recuou de suas ameaças contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. Disse que seu comportamento radical e suas falas extremadas na manifestação de terça, quando chamou o magistrado de canalha, “decorreram do calor do momento e dos embates”, afirmou que tem “respeito pelas instituições da República” e que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”. Bolsonaro ainda sugeriu que medidas jurídicas serão debatidas nos tribunais. Antes, dizia que não cumpriria decisões de Moraes.

A carta de recuo foi sugerida pelo antecessor de Bolsonaro, Michel Temer (MDB), que tem sido um conselheiro informal do presidente. Moraes foi ministro da Justiça de Temer e foi indicado por ele para a cadeira no STF. Outra razão para que o emedebista fosse consultado por Bolsonaro foi porque em 2018, durante o seu Governo, ocorreu uma longa paralisação de caminhoneiros. Tanto naquela como nesta, um dos principais incentivadores da desordem foi Jair Bolsonaro.

Militantes reais X virtuais

Entre os militantes que participam de manifestação nas ruas, há um grupo formado por centenas de homens e mulheres que, desde o dia 7 de setembro, está acampado na Esplanada dos Ministérios. Eles descumpriram ordens dadas pela Polícia Militar do Distrito Federal e não deixaram o local logo após o protesto. E, pelo visto, não é apenas essa ordem que descumprirão. “Temos de descumprir essa ordem de desbloqueio que o presidente deu. Ele próprio já nos ensinou que temos de ler nas entrelinhas. Se ele mandar bloquear as pistas [rodovias], ele pode sofrer uma nova caçada judicial, então, agora é por nossa conta”, disse o caminhoneiro Rodolfo Proença, que veio de Unaí (MG) para Brasília para demonstrar seu apoio ao Governo.

Na mesma linha seguiu a produtora rural Elizabeth Alves, de Videira (SC): “Se isso terminar agora, sem nada mudar, nós estamos lascados. Temos de destituir os ministros do Supremo já”. Entre esses apoiadores, houve quem disse que continuaria seguindo Bolsonaro, mesmo que ele não tenha decretado estado de sítio, como alguns esperavam ingenuamente – quem aprova essa intervenção é o Congresso, não o Executivo. “Estamos chateados, sim. Dormimos achando que ele tinha feito uma intervenção. Acordamos com um pedido de desbloqueio de vias. Mas temos de confiar no presidente”, ressaltou o caminhoneiro Gilson Pacheco, de Três Lagoas (MS), que também está na capital desde o início da semana.

Algo comum entre esses adoradores da Esplanada dos Ministérios é a hostilidade com a imprensa. De 30 procurados pela reportagem, apenas esses três toparam conceder entrevista. Alguns xingaram. Outros ameaçaram agredir, caso seguisse conversando com os acampados. E dois ex-paraquedistas, que usavam boinas vermelhas e uniformes pretos, acompanhavam cada passo do repórter. Todos sem máscaras, como se a pandemia de covid-19 estivesse terminada.

Nas redes sociais, um dos principais comentários até mesmo entre apoiadores era de que Bolsonaro “arregou”, que é quando se desiste ou se rende para um adversário. Também havia outros que o chamavam de “traidor”, por ter se aconselhado com Temer. “Ilusão acreditar que um político com 30 anos de Centrão no Congresso, poderia mudar o Brasil”, disse um dos militantes nas redes. Bolsonaro foi deputado federal por 28 anos, boa parte deles em partidos do Centrão, como PP, PTB e PSC. A fábrica de memes também estava funcionando em alta rotação. Houve até um que fazia parecer que Temer estava tomando a faixa presidencial dos ombros de Bolsonaro.