
A argentina Paola Carosella aprendeu a cozinhar com as avós. As imigrantes italianas ensinaram a uma das chefs mais famosas em atividade no Brasil que “bons pratos começam com bons ingredientes” e que “boa mesa é generosa e farta”. Foi também com elas que aprendeu os segredos de uma bela macarronada, prato ao qual recorre nos dias de impaciência.
— Quando não estou muito a fim de cozinhar, macarrão é o que faço de olhos fechados — diz Paola, de 50 anos. — Pode ser também lasanha ou ravióli. Faço muito bem essas “italianadas” porque aprendi desde criança.
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E esta interação entre gerações, tão preponderante na formação de Paola, é justamente o mote do novo reality show em que é jurada. Em “Minha mãe cozinha melhor que a sua”, que estreia na tarde de hoje na TV Globo, depois de “Temperatura máxima”, ela e o chef João Diamante ficam de olho nos pratos preparados por três duplas formadas por famosos e suas mães, ou mães famosas e seus filhos. A apresentação do programa está a cargo de Leandro Hassum.
— Os filhos cozinham e as mães, no começo da dinâmica, não podem ajudar. Então, vão dando dicas, tipo “coloca a panela aí”, “corta isso aqui” — explica Paola. — Depois de dez minutos, elas têm direito a entrar na cozinha, mas o relógio corre mais rápido.
Estão previstos dez episódios, e, a cada domingo, acontecem duas provas, uma delas inspirada numa receita de alguma família do Brasil. Cabem a Paola e João espiarem os preparativos de cada dupla e provarem o resultado final.
Famosa pelo temperamento rígido nas avaliações que fazia no “MasterChef”, reality show da Band do qual participou entre 2014 e 2020, ela garante que vai pegar leve:
— Agora não há cozinheiro amador que queira virar chef de cozinha. Não precisamos achar a nova revelação do Brasil — diz Paola. — São pessoas muito talentosas e bem-sucedidas no que fazem e que estão no programa para se divertir. Não tem tensão. É uma festa, uma reunião de domingo.
Fama sem receita
O ano da chef na TV vai ter mais um prato. Em abril, ela também estreia no GNT, com o “Alma de cozinheira”. Na produção, recebe dois convidados por episódio e prepara um jantar enquanto bate papo.
— (A locação) é uma casa como a minha: com uma vitrola, uma biblioteca. Receberemos nomes gigantes, não consigo nem dormir só de pensar —admite, sem poder revelar os convidados. —A sacada do programa é que não vou entrevistar, porque não sou entrevistadora. Vão ser pessoas interessantes com histórias para contar. Não vai ter um roteiro.
Um programa próprio é a consagração para uma chef que entrou na TV sem muitas pretensões. Quando fez testes de vídeo e foi chamada para o “MasterChef”, nem sabia do que tratava o programa. Não ia aceitar o convite até receber um telefonema.
— Um grande amigo de Buenos Aires era jurado do “MasterChef” da Argentina. Ele me ligou e disse: “nossa, estou me divertindo tanto” — relembra. —Consultei meu sócio, e ele achou que ia ser uma experiência única. Topei e mudou completamente a minha vida. Abriu um caminho de comunicação que adoro. Eu me divirto muito fazendo TV.
O Twitter também se diverte, transformando as caretas e frases de efeito dela em inesgotáveis memes. As pitadas de sarcasmo (“coração, tem certeza que você sabe cozinhar?”) e as colheradas de sinceridade (“tá horrível isso, horroroso”) são ingredientes perfeitos para a cultura digital de figurinhas, gifs e afins.
—Sou uma fábrica de caras e bocas. Deve ter algo no meu rosto, na minha altura (1,77m), nas minhas mãos, na maneira como me movimento, mas, sobretudo, no sotaque. Ele me enrijece de alguma forma, e viro meme facilmente.
Hassum, companheiro de palco na Globo, aprecia o timing de comédia de Paola.
— É muito franca, rápida e tem um humor extraordinário. Você diz algo e ela temlogo uma resposta pronta — observa o humorista, que levou para a própria casa soluções práticas que a chef lhe deu. —Ela não tem frescura. Se não está bom, fala: “joga um quejio, uma manteiga, um bacon, que não tem como dar errado”. E realmente dá certo.
Nascida em Buenos Aires, Paola trabalhou em restaurantes consagrados de Los Angeles e Paris.
— Na França, trabalhei em cozinhas cruéis. Perversas ao ponto de deixar o funcionário trancado na sala da limpeza se fizesse algo errado por seis horas sem água. Regime militar, sabe?
Chegou em São Paulo em 2001. A missão por aqui era chefiar o Figueira Rubaiyat, endereço tradicional dos Jardins especializado em carnes e frutos do mar, o maior desafio da carreira.
— O restaurante é gigantesco e sobrou para mim cuidar dele. Era uma cozinha muito masculina, homens que não tinham nenhum costume de serem chefiados por mulher. Foi difícil até que a gente foi achando um jeito —diz Paola, que trabalha desde os 18 anos.
Em 2003, ela decidiu abrir o primeiro restaurante, o Julia Cocina. Fechou-o dois anos depois e, em 2008, veio o Arturito, aberto até hoje, em Pinheiros. Também é sócia da rede de empanadas La Guapa, espalhada por diversas cidades do Brasil. Criar raízes no Brasil, diz, foi um movimento intuitivo.
—Uma série de coisas se deram juntas. Minha mãe tinha morrido um ano antes (em 2000), e meu pai morreu quando eu estava aqui trabalhando. Meus laços em Buenos Aires já eram tão fortes — conta a argentina, criada pela mãe depois que os pais se separaram, quando pequena. — E já tinha começado a desenhar o meu restaurante, o desejo era de me movimentar para um outro lugar. Tinha que escolher para onde. Por algum motivo, que não sei qual é, escolhi fazê-lo no Brasil.
Desde então, ela inspira outras gerações, como a do chef paraense Thiago Castanho, de 35 anos. Os dois se conheceram em eventos de gastronomia em São Paulo, há cerca de dez anos, e já estiveram no canal de YouTube um do outro. Ela ensinou receitas de empanadas, e ele deu aulas sobre mandioca.
— Há muita confusão sobre o que é comida boa de verdade — diz Thiago. — Quando aparece uma moda gastronômica, todos decoram do mesmo jeito, usa aquela pinçazinha… Com a Paola, é comida no prato, sem afetação. Ela se concentra na essência, nos ingredientes, em como fazer. No meio midiático, era difícil ser porta-voz disso.
Em pratos limpos
Se tem algo que Paola não tem medo de ser é porta-voz de alguma ideia. Tanto que, nos últimos anos, a chef foi uma das personalidades que mais se posicionou politicamente contra o o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, antes mesmo da eleição. Quando a chapa Lula e Alckmin foi oficializada, declarou o voto sem hesitar (“Tem um custo muito alto, mas senti que não conseguia ficar isenta”, diz).
E, sim, ela votou. No ano passado, concluiu o processo de naturalização justamente para isso:
— Cada vez que me manifestava, muitas pessoas falavam: “cala a boca, você não é brasileira”. Isso me doía. Hoje, continuam falando a mesma coisa, mas agora pelo menos sei que fiz tudo o que podia. Já fui residente por 22 anos, agora sou cidadã brasileira naturalizada. E tenho uma filha brasileira (ela é mãe de Francesca, de 12 anos). Mais do que isso, não consigo.
Também cidadã italiana e argentina, faz tempo que Paola não vota em seu país natal. Não tem acompanhado uma política que é tão ou mais complicada que a da daqui, ela diz. Mas anda com a cinematografia em dia. Já assistiu ao longa indicado ao Oscar de melhor filme internacional “Argentina, 1985”, sobre o processo de condenação da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1983 e torturou e matou centenas de pessoas.
—O filme é maravilhoso, me arrepiei inteira. Em 1983, tiveram as eleições democráticas e lembro da minha mãe falando e chorando: “Estou indo votar”. Ela era advogada. Então, cresci com esse papo de justiça e democracia — diz Paola, que tinha 13 anos na época do julgamento retratado no filme e lembra de assistir partes dele pela TV.
Com projetos sociais e trabalhos em comunidades de São Paulo, Paola sempre é colocada à esquerda do espectro político. Seus posicionamentos nas redes sociais também contribuem para esta percepção. Mas a chef não gosta desse binarismo.
— O meu olhar político é bem mais complexo. Quando me manifestei nos últimos anos, a favor da aliança de Lula e Alckmin, e sempre que falo de agroecologia, de igualdade social, sou imediatamente rotulada de comunista ou de esquerda. Acho que nem deveríamos falar de esquerda e direita em 2023. É sinal de que não conseguimos avançar —diz. — Se eu tivesse que me definir politicamente, diria que sou social democrata progressista.
Paola em 11 sabores
Último livro que leu: “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves (Editora Record).
Um filme brasileiro inesquecível: “O auto da Compadecida”, de Guel Arraes.
Doce favorito: Sorvete.
Time do coração, no Brasil e na Argentina: Nenhum. Não gosto de futebol.
Destino das últimas férias: Salvador, na Bahia.
Culinária favorita: todas.
Maior perrengue que já passou na cozinha: Não lembro!
Se não fosse chef, seria…: estilista ou designer de interiores.
‘Comfort food’ do coração: macarrão com molho de tomate.
Na minha geladeira não pode faltar…: manteiga.
Segredo para o jiló ficar gostoso: Você precisa deixá-lo queimar um pouquinho. Se ficar bem, bem, bem dourado, fica bom!”