O agro é tech e o cerrado é pop: agricultores buscam tecnologia nos EUA

De tratores-robôs, comandados por inteligência artificial, a colheitadeiras automatizadas: produtores rurais brasileiros vão em busca de tecnologia em feira no meio-oeste americano

Danielle Kataki, produtora de Padre Bernardo: presença feminina no agro - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

Apenas cinco horas de viagem de carro separam Des Moines — a capital do estado de Iowa, no meio-Oeste dos Estados Unidos — de Chicago, a cidade mais populosa de Illinois, que concentra big techs, como Google, e empresas de inovação, como a Uber.

Mas não é só a estrada que liga uma região-celeiro, a maior em produção agrícola nos EUA, a uma cidade moderna, que é um dos maiores ambientes de negociação de derivativos do mundo e referência na formação de preços global, incluindo commodities, energia, taxas de juros, índices de ações, câmbio e metais, por meio da Bolsa de Chicago.

Tecnologia é o que conecta Des Moines a Chicago. E ela é praticamente um sinônimo da John Deere, uma companhia centenária, que nasceu em Moline, em 1837, para construir arados, e hoje é uma multinacional líder global na produção de equipamentos e soluções agrícolas, de construção e florestais, além desenvolver componentes de transmissão e motores para equipamentos industriais e marítimos, entre outros. O faturamento passou dos R$ 250 bilhões em 2022.

Em agosto de 2022, a John Deere inaugurou um prédio em Chicago. Transformou uma antiga fábrica de empacotamento de carnes em um ambiente ultramoderno, sem paredes e com espaços planejados para relaxamento e para despertar a criatividade, como dita o manual das big techs.

Foi um passo simbólico em sua estratégia de reposicionamento de marca, que envolve muito além da meta de triplicar o número de máquinas conectadas, hoje no patamar de 500 mil no mundo. A companhia deseja chegar lá com as melhores práticas ESG (Environmental, Social, Governance), o que significa, entre outras medidas, abraçar a causa da diversidade e atrair talentos da área de tecnologia, o que já vêm ocorrendo.

Não à toa investiram em sistemas de FoodBanking, servindo 128 milhões de refeições em 2021, o que equivale a mais de US$ 32 milhões em ajuda econômica aos mais vulneráveis nas comunidades onde atuam. Só no Brasil, em 2022, foram investidos R$ 56 milhões em programas sociais.

Foi para conhecer os planos, as tecnologias e as instalações da empresa que um grupo de jornalistas brasileiros desembarcou nos Estados Unidos para um tour. Além do escritório em Chicago, visitou a fazenda-teste, que é um grande laboratório de experimentos em Des Moines; o superestande em uma feira agrícola e um escritório em Urbandale, onde passado e presente se conectam.

Presença brasileira

Nossa visita à feira agrícola coincidiu com a de um grupo de 36 brasileiros que viajaram para conhecer novas tecnologias e compartilhar os desafios do agro brasileiro, em especial do Centro-Oeste. Entre eles, José Augusto Araújo, CEO da MAQCAMPO, concessionária John Deere, com sede no DF, que atende a região, incluindo Goiás; o agricultor Henrique Cenci, que atua no DF e em Goiás; e a agricultora Daniele Kataki, com negócios em Goiás e no Tocantins, uma das duas únicas mulheres presentes na comitiva.

Eles falaram sobre a realidade da agricultura do cerrado brasileiro para mais de 350 pessoas. Mostraram a importância dos avanços tecnológicos e o quanto é essencial estar preparado para amanhã, ou seja, o futuro imediato. As tecnologias já estão disponíveis e precisam ser utilizadas para aumentar a produtividade e melhorar a rentabilidade, mas com sustentabilidade. Não há tempo a perder.

A apresentação deles foi durante a visita à Farm Progress Show, uma das maiores feiras agrícolas do mundo, em Decatur, no estado de Illinois, que expôs lançamentos e tendências em equipamentos. No estande da John Deere, a menina dos olhos era o trator modelo D, que começou a ser produzido há 100 anos, e foi a série de tratores que mais tempo ficou na linha de produção da empresa: 30 anos. E ao lado dele, o mais novo, maior, moderno e potente, o 9RX.

Há 185 anos, a John Deere lidera o desenvolvimento de soluções inovadoras para ajudar os clientes a se tornarem mais produtivos de forma sustentável. Produzem máquinas e aplicações inteligentes e conectadas, com o objetivo de revolucionar as indústrias agrícola e de construção. Garantem ainda o acesso contínuo a peças, serviços e atualizações de desempenho, desde a entrega até a troca, fornecendo suporte de classe mundial durante todo o ciclo de vida dos equipamentos aos clientes.

José Augusto Araújo, 45 anos, CEO da MAQCAMPO, tem duas décadas dedicadas ao agronegócio. Começou sua carreira como office-boy e hoje sua empresa tem 22 unidades no DF, noroeste mineiro, leste de Goiás e no Tocantins. Conhece bem a imensa diversidade de culturas do Centro-Oeste brasileiro. “Aqui na região, temos todo tipo de grãos. Temos algodão, cana, hortifrúti, toda a diversidade para a produção de alimentos.”

Ele conta que, desde 2009, faz viagens aos Estados Unidos para acompanhar de perto as tecnologias lançadas por lá e que demoravam um pouco para chegar ao Brasil. “Já trouxemos 400 clientes para esta feira ao longo dos anos com o objetivo de conhecer as tecnologias e melhorar também nossa produtividade”, explica.

O CEO é também um propagador da diversidade de culturas do cerrado. Ele conta que isso se deve a algumas peculiaridades do clima e do solo. “Temos uma excelente altitude, que é extremamente propício para noites frias, o que é muito bom para algumas plantas, como o milho. Nós também temos uma radiação solar por 10, 12 horas por dia, na maior parte dos meses do ano, o que é muito favorável ao crescimento das plantas. Por isso, temos a capacidade de fazer duas safras cheias. Isso já se tornou uma tradição. E isso se deve também à tecnologia”, explica.

José Araújo explica que, atualmente, a região do DF e adjacências, num raio de 200km, é uma das áreas mais produtivas do país, com capacidade, graças ao maquinário, de fazer até uma terceira safra, integrando lavoura com pecuária.

Neta de imigrantes, Danielle Kataki, 35, biomédica e tecnóloga em agronegócio, era uma das duas mulheres presentes na comitiva. Ela acredita que representar o agro brasileiro lá fora é uma grande oportunidade para dar visibilidade às mulheres em um setor ainda dominado por homens. “O agro ainda é muito masculinizado, um mercado em que a gente ainda tem que mostrar que ganha pelo empenho no trabalho e pela dedicação. Estar nesses lugares, como esta feira, é abrir portas para uma nova geração de agricultoras. E isso, para mim, é muito.”

Um robô para semear o campo

Além da feira, os brasileiros conheceram a fazenda de teste de máquinas agrícolas, em Des Moines, e um centro de inovação, a ISG (Intelligent Solutions Group) Test Farm, que concentra os segredos da John Deere, em Urbandale, Iowa. Um espaço totalmente monitorado e com regras de confidencialidade para
evitar vazamento de informações.

Ali, os brasileiros — recepcionados por Heather Van Nest, diretora, e dois brasileiros, Felipe Santos e Marcio Neutzling, que trabalham na companhia — foram apresentados a um trator autônomo, ao pulverizador See & Spray e à colheitadeira X9. Todos esses equipamentos foram criados para produzir mais e melhor, na mesma área, e com sustentabilidade.

O pulverizador See & Spray é composto por sensores e robótica, que registra quando cada semente individual entra no solo. A partir dessa informação, um robô pulveriza apenas a quantidade de fertilizante
necessária diretamente sobre a semente, no momento exato em que ela vai para a terra.

Com ajuda da Inteligência Artificial e de câmaras para para aplicar o defensivo apenas nas plantas daninhas, o sistema proporciona maior produtividade, rentabilidade e sustentabilidade à produção agrícola, reduzindo em mais de 60% a quantidade de fertilizante utilizada no desenvolvimento inicial da planta. Ainda está em teste. O equipamento auxiliará os agricultores a serem econômicos e ambientalmente sustentáveis, pois há um árduo trabalho no cultivo de alimentos, combustível e fibras dos quais há uma dependência mundial.

Para otimizar a operação, o trator autônomo possui seis pares de câmeras estéreo, que permitem a detecção de obstáculos em 360º e o cálculo da distância. Assim, a máquina “decide” se deve continuar se
movendo ou deve parar. Ela está preparada para operar 24 horas, sete dias por semana, parando apenas para fazer o reabastecimento a cada oito horas em média.