
O olhar enviesado, a palavra mordaz, a ação punitiva sem explicação, a agressão física, a morte: o preconceito se traveste de várias formas para atingir aquele que não teria porque de se defender por ser quem é. Em 2021, a homofobia e a transfobia deixaram rastro de tristeza e dor, mas também de indignação e, como consequência, de mudanças na legislação, que tornaram o preconceito, oficialmente, crime.
“Isso nos ajuda bastante, porque não prescreve, é importante para dar o tempo pedagógico para informar as pessoas, a população precisa enxergar que isso é crime”, explicou o subsecretário de Políticas Públicas LGBT de Mato Grosso do Sul, Leonardo Bastos.
Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), casos de homofobia e transfobia foram enquadrados como tipo penal na Lei do Racismo (7716/1989), até que o Congresso Nacional edite lei específica sobre a matéria. O crime prevê pena de até 5 anos de prisão.
A necessidade de respaldo da lei se justifica pelos casos registrados. De acordo com Bastos, somente em Mato Grosso do Sul, de 2019 a julho de 2021, foram 49 boletins de ocorrência identificados pela subsecretaria com motivação homofóbica. “Foi agressão verbal, como ‘viadinho tem que morrer’, socos e chutes pelo fato de ser LGBT”, listou Bastos.

Gustavo em postagem na rede social, em dia de trabalho. (Foto: Reprodução)
O dentista Gustavo dos Santos Lima foi alvo de um desses ataques, caso que ganhou repercussão em agosto de 2021. Voluntário na vacinação contra covid-19 no pavilhão Albano Franco, em Campo Grande, relatou o preconceito nas redes sociais. “(…) senhora desceu do Corolla branco, pegou os documentos do chão e apontou seus dedos para mim dizendo: ‘Eu não quero que minha filha seja vacinada por esse tipo de gente, um viado’”.
As palavras tiveram o poder de destruir o que Gustavo estava reconstruindo, aos poucos, no processo de recuperação de depressão. No dia 14 de outubro, aos 27 anos, foi encontrado morto pelo irmão, em casa. A investigação policial ainda segue sem identificação da ofensora na fila da vacinação.
A violência e a intolerância também atingiram de forma letal outro sul-mato-grossense: Marcos Vinício Bozzana da Fonseca, 25 anos, foi assassinado por asfixia, no dia 4 de maio, em Curitiba (PR), onde cursava o último ano de Medicina.

O autor, José Tiago Correia Soroka, confessou o crime, mas negou que tivesse motivação homofóbica, alegando que a vítima em potencial seria qualquer um que o deixasse entrar na casa. O MPPR (Ministério Público do Paraná), porém ofereceu denúncia por latrocínio, qualificado pela homofobia. Soroka já responde por outro homicídio e uma tentativa, os dois crimes também contra gays.
Obstáculos – No caminho de quem sofre a violência, também existe a vergonha de denunciar o mal sofrido. Em julho, a transexual Camila Ferreira, 54 anos, passou semanas em agonia até ter coragem de denunciar à Polícia Civil o sequestro e o estupro sofridos, em crime ocorrido no dia 17 de junho: foi espancada, imobilizada e obrigada a praticar sexo com cachorro, segundo relatado.
“Guardei para mim, porque me senti envergonhada e com medo de que debochassem de mim. Muita gente acha que pessoas como eu não prestam ou fazem coisas erradas. No fim, levei tudo isso em conta”. Este é outro caso que ainda segue sem solução.

Em Ladário, a sargento transexual Alice Costa, integrante da Marinha desde 2011, foi à Justiça para garantir o direito de usar nome, uniforme e corte de cabelos femininos.
A Marinha, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), recorreu ao TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) para derrubar a decisão. O recurso, conforme anotação do desembargador federal Valdeci dos Santos, trouxe conteúdo “perigosamente discriminatório” ao comparar o caso a “admitir o piloto de avião cego e o segurança armado tetraplégico”. A decisão que libera trajes e corte de cabelo feminino foi mantida. E a defesa da militar denunciou cinco oficiais por crime de transfobia.
Também na esfera militar, mas em Campo Grande, o capitão da PM (Polícia Militar), Felipe dos Santos Joseph, denunciou estar sendo perseguido e vítima de homofobia dentro da corporação. O motivo foi áudio pejorativo sobre homossexuais compartilhado no grupo da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. –
A Marinha, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), recorreu ao TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) para derrubar a decisão. O recurso, conforme anotação do desembargador federal Valdeci dos Santos, trouxe conteúdo “perigosamente discriminatório” ao comparar o caso a “admitir o piloto de avião cego e o segurança armado tetraplégico”. A decisão que libera trajes e corte de cabelo feminino foi mantida. E a defesa da militar denunciou cinco oficiais por crime de transfobia.

Também na esfera militar, mas em Campo Grande, o capitão da PM (Polícia Militar), Felipe dos Santos Joseph, denunciou estar sendo perseguido e vítima de homofobia dentro da corporação. O motivo foi áudio pejorativo sobre homossexuais compartilhado no grupo da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul.
A recomendação enfatiza que tal crime é “inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão” pela Constituição Federal.
Bastos diz que houve evolução cultural que combate o discurso de ódio. “E isso é importante para nós, sozinho a gente não muda nada”.