
Na quarta-feira (6), às 15h, Lucas Eduardo Pereira dos Santos, 15 anos, saiu para trabalhar pelas ruas de Campos Elíseos, em São Paulo, onde mora. Ele saiu com a avó para recolher material para a reciclagem. Voltou às 19h. Com sorte, conseguiu latinhas para vender em um ferro-velho por pouco mais de R$ 3 o quilo. Essa é a realidade do adolescente em 2022. No horário em que deveria estar na escola, ele trabalha para complementar a renda familiar. A necessidade tirou Santos da sala de aula, que perdeu o 9º ano. “Foi difícil sair, porque adoro estudar. Mas precisava ajudar minha mãe, avó e meus quatro irmãos. Enxergo como uma decisão difícil da vida, mas que tem que ser tomada”, admite. A maturidade surpreende. “Não é a primeira vez que me dizem isso”, continua. Nos últimos meses, ele foi operador de telemarketing, entregador e ajudante geral em uma loja. No comércio, trabalhava demais. “Chegava de manhã, limpava o lugar, repunha os produtos, atendia os clientes e fazia entregas. E, geralmente, eram pesadas e distantes. Era muita ladeira e cansava”, narra. Por isso, partiu para a reciclagem. Livia Pereira da Silva, mãe do adolescente, se entristece. “Ele foi trabalhar e teve problema porque não podia ser registrado. Acabou perdendo a vaga na escola. Mas ano que vem, vou fazer de tudo e ele volta a estudar”, avisa. Os irmãos do menino seguem no colégio e graças ao Instituto Sonhe, organização não governamental de São Paulo, frequentam cursos como jiu-jítsu e futebol. “A instituição ajuda com cesta básica”, acrescenta ela.
A realidade de Lucas está no relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação, divulgado pelo Inep. A proporção de crianças de 6 a 14 anos matriculadas ou que concluíram o ensino fundamental caiu de 98% para 95,9% de 2020 para 2021. “É um reflexo da crise causada pela pandemia de Covid-19. Esse recuo, ocorrido em um ano, representa, em perspectiva histórica, um retrocesso de cerca de dez anos no indicador, visto que, para 2011, ele foi estimado em 96,1%”, escancara o informe.
“A soma dos últimos três governantes é terrível para o País. Estamos, em algumas metas, caminhando para trás” – Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP
A professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Theresa Adrião, destaca mais dados alarmantes da análise. “O que dizer da frequência na escola e das matrículas de crianças com cinco anos que caíram para 84,9% em 2021, patamar inferior ao estimado em 2019 (97,2%). Em 2019, 6% das crianças de quatro e cinco anos estavam fora da escola e isto deve ser amplificado com o aumento da pobreza e do desemprego”, aponta. “Evidente que o desserviço prestado pelo Ministério da Educação durante o atual governo é fator diretamente relacionado aos tristes dados. Se formos em busca não apenas do acesso e da cobertura mas da qualidade do atendimento educacional, o desinvestimento fica mais evidente”, completa
O diretor-executivo do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, adverte sobre a fatia que está fora da escola – cerca de um milhão. “Esse é um dado do início de 2021, ou seja, ainda não pega o impacto de boa parte do que aconteceu ano passado. Esse é o ponto. Uma espécie de placa de alerta. E essa placa diz: se no curto prazo não forem realizados esforços específicos e intensivos, provavelmente, esses indicadores continuarão declinando”, enfatiza. “A agenda de mitigação dos efeitos pós-pandemia não se encerra daqui alguns meses e não sumirá com o término das eleições. Os próximos governos – federal e estaduais – terão de manter viva e forte uma avenida de esforços que, entre outras questões, envolve busca ativa para garantir retorno e permanência de todos na escola, redimensionamento curricular, recuperação da aprendizagem e políticas voltadas à saúde emocional dos estudantes”, considera. O aspecto psicológico dos alunos, aliás, foi o ponto de trabalho de André Luis Klein Barbas, diretor da Escola Estadual Professora Regina Miranda Brant de Carvalho, em Marsilac, São Paulo.
Durante o período da Covid-19, ele se aproximou das famílias para lutar contra a evasão. “Estamos na região de maior vulnerabilidade social do Estado de São Paulo, com o menor Índice de Desenvolvimento Humano, falta de acesso à rede de telefonia celular e internet. A escola é responsável por buscar alternativas de atendimento”, realça. A equipe gestora da unidade, professores, funcionários e voluntários partiram para a ação para “promover o acolhimento socioemocional”. “Atuamos em rede com Unidades Básicas de Saúde, Centro de Referência da Assistência Social, organizações não governamentais e, principalmente, famílias nos pontos por onde o transporte escolar circula. Conseguimos levar atividade impressa aos alunos, bem como auxiliar quem necessita de amparo social, com doação, inclusive, de cestas básicas”, lista. A tática resultou na redução nos indicadores de evasão.
“O desserviço prestado pelo Ministério da Educação durante o atual governo é fator diretamente relacionado aos tristes dados” Theresa Adrião, professora da Faculdade de Educação da Unicamp
O professor da Faculdade de Educação da USP, Daniel Cara, aplaude o mérito de professores como os de Marsilac. Mas avalia que o desleixo governamental terá consequências. “A soma dos últimos três governantes [Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro] é terrível para o País. Estamos, em algumas metas, caminhando para trás, o que demonstra que, no fundo, ensino nunca foi prioridade de nenhum governo. Não é a área a que se dedicam para poder estabelecer um processo de desenvolvimento do País. No relatório de 2024, o impacto da pandemia será avassalador”, diz Cara. “Não tenho dúvida de que o povo brasileiro valoriza a educação. Nós temos um desafio de uma política econômica injusta e uma política educacional frágil. Se superarmos esses gargalos, mudaremos o País”, finaliza. Em 2023, ao menos, um jovem deverá voltar para a escola: Lucas dos Santos.