
A transformação de materiais não tão valorizados em obras de arte e peças únicas é um modelo de negócio que tem tradição no Pantanal.
E agora que o bioma está em alta no Brasil, por conta da novela que é transmitida pela TV Globo, os artesãos de Corumbá e Ladário estão buscando novo espaço no mercado ao levarem seus produtos para serem vistos e comercializados no Rio de Janeiro. Esse movimento começou nesta segunda quinzena de agosto e vai até outubro.
Entre os produtos que estão em evidência na mostra, a qual visa impulsionar o artesanato pantaneiro, está a chamada viola de cocho.
É fato que na novela não aparece de forma comum esse instrumento, que é tão peculiar e muito presente em Corumbá, Ladário e em algumas regiões de Mato Grosso, bem como no Nordeste.
A viola de cocho é usada para entoar o cururu, dança folclórica praticada por homens, e o siriri, outra dança tradicional, mas praticada geralmente por mulheres.
E com esse movimento de levar o artesanato pantaneiro para o Rio de Janeiro a intenção é tornar essa cultura mais próxima de grandes centros, além de permitir que esses produtos sejam comercializados.
Quem produziu as violas de cocho presentes na mostra são avô e neto, que moram em Ladário. Sebastião de Souza Brandão é um mestre nacional, reconhecido por garantir a tradição do instrumento, além de ser músico e tocar o cururu.
Ele ainda é marcado nacionalmente por inovar com a viola de cocho e oferecer uma versão desse instrumento feito de forma rústica, no fundo de uma casa simples em Ladário, com acesso para sistema de som.
Essa modernidade implantada possibilitou, por exemplo, a realização de uma apresentação para grande público porque a viola pode ser ligada a caixas de som.
Sr. Sebastião, como é conhecido na região pantaneira de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, agora tem como um de seus sucessores o neto, João Vitor Alves Brandão.
Com 15 anos, o estudante já sabe produzir viola de cocho, está aprendendo a tocar e chega a substituir o avô em oficinas feitas na Rede Estadual de Ensino para ensinar jovens como ele a terem contato com um instrumento tão tradicional e emblemático para a cultura pantaneira e muito tocado no período de festas juninas.
Os dois levaram para a mostra “Casa do Brasil Central, do Cerrado ao Pantanal” seis violas de cocho. Os instrumentos estão expostos no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab), que serve de polo para difundir esse segmento tanto no Brasil como no exterior. Os preços de cada uma das violas variam, com valores que partem de R$ 300.
“É muito legal, é extraordinário [ver a viola de cocho em exposição no Crab]. Essa cultura [da viola e do siriri e cururu] ficou parada, como se estivesse em uma gaveta. Parecia que não iria mais para frente. Um pouco antes de começar a pandemia, alguns companheiros falaram que acabou, que só teria algo em época de São João. Não acho que é isso. Eu, por exemplo, não parei.
Nesse período de pandemia, eu fiquei fazendo viola. Tive convite para fazer oficinas de viola. Agora tem esse trabalho no Rio de Janeiro. É uma tradição muito viva”, comentou o mestre Sebastião Brandão, que deve realizar neste ano uma apresentação de cururu no Rio de Janeiro.
E, se puder, levará o neto. Ele já vendeu peças para Portugal e com a presença nessa mostra cria expectativa para ampliar seu mercado. Os dois não são os únicos que levam o nome da cultura pantaneira para um dos polos culturais do País.
Profissionais instalados na Casa do Artesão de Corumbá também conseguiram ser selecionados para colocarem à venda suas peças. Entre eles está o grupo Amor Peixe, que foi fundado em 2009, na Capital do Pantanal, e reúne mulheres que transformam a pele do peixe em 37 produtos diferentes. O projeto hoje é negócio e envolve diretamente quatro mulheres, além de duas que atuam como colaboradoras.
“Do começo do projeto Amor Peixe, mudaram todas as pessoas. Antes, eram filhas de pescadores. Eu mesmo fui estagiária, não sabia nem costurar. No começo, eu ficava pensando o que iam fazer com a pele de peixe. Será que iam fritar e só? [risos]. Não imaginava quantas coisas poderiam ser feitas. Hoje, temos mais de 37 produtos”, detalhou Francisca Garcia da Silva, que é a mais antiga do grupo e trabalha no Amor Peixe com Inês Monteiro Anez, Guilhermina Batista do Nascimento e Migdonia Clementina Nogueira Arzamendia Penha.
Outra artesã desse espaço em Corumbá é Luziangela da Silva Borges. Ela aprendeu o ofício em Batayporã, cidade onde nasceu. Foi para a Capital do Pantanal em 2018 e se instalou de vez na cidade para trabalhar com retalhos de pele de jacaré, que sobram no frigorífico que trabalha com o animal e fica em Corumbá.
Ela tem clientes da Itália [Roma], do Chile, da Bolívia, além do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Paraná. Como conseguiu ser selecionada para a mostra de três meses no Crab, ela planeja aumentar a sua clientela.
“Eu trabalho sozinha. Minhas peças variam de R$ 25 a R$ 2 mil, dependendo do tamanho, e para essa exposição a gente levou imagens [sacras] de artesãos do Massabarro, a Nossa Senhora do Pantanal em cerâmica revestida com pele de jacaré, além de pulseiras e chaveiros”, contou.
Além dos artesãos de Corumbá e Ladário, há profissionais de Miranda, Campo Grande, Bonito, Jardim, Bodoquena e Três Lagoas nessa mostra, que é promovida pelo Sebrae de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal.
No total, há a produção de mais de 150 artesãos, trazendo um retrato das produções do Cerrado e do Pantanal. Só do Estado, são cerca de 60.
“Você está mostrando o artesanato sul-mato-grossense junto de outros estados. É um espaço de cultura no Rio antigo. Isso dá competitividade, dá valor agregado para esses artesãos. Essa exposição vai ajudar a chegarem a outros mercados”, analisou Isabella Carvalho Fernandes, coordenadora de Turismo do Sebrae-MS.